Sustentabilidade ambiental é prioritária nos Açores
O respeito pelos solos, pela paisagem, pela integridade animal e pela qualidade agro-alimentar é, segundo o Director Regional do Desenvolvimento Agrário, fundamental para um desenvolvimento harmónico da sociedade na sua relação com o meio.
Joaquim Pires garante que, para tal, tem sido dada uma “prioridade absoluta” às políticas ambientais nos Açores porque, como refere, “sem existir um bom ambiente não é possível produzir produtos com qualidade e de confiança para os consumidores”.
Mundo Rural (M.R.)» Qual a importância da preservação ambiental para o desenvolvimento rural marcadamente agrário?
Joaquim Pires (J.P.)» A preservação ambiental tem sido uma prioridade absoluta do Governo Regional, não só pelo impacto transversal que detém em todos os sectores da sociedade, como no caso específico do sector agrícola pela sua natural interdependência com o meio ambiente. Dou como exemplo a aplicação na Região dos Planos Nacionais e Regionais (visados pela UE) de Controlo de Resíduos quer para a vertente da produção animal, quer da vegetal, bem como da obrigatoriedade de identificação de todas as explorações agrícolas e dos produtores, aliado à implementação de logísticas de rastreabilidade sobre os meios de produção e os produtos agro-pecuários. Sendo por isso essencial preservar a qualidade do ambiente e o bem-estar das populações, que no âmbito do desenvolvimento agrário cruza o aspecto da utilização do território enquanto solo agrícola, pelo correcto uso dos recursos naturais, e, a qualidade dos bens alimentares que se produzem, de grande importância e essenciais para o sustento e nutrição humana. Por outro lado, Desenvolvimento Agrário significa também o uso de práticas agrícolas e pecuárias sustentáveis, pelo que a legislação em vigor é rigorosa e pune os infractores, quer na aplicação de coimas, quer pela perda de apoios e de ajudas estabelecidas pela PAC (Política Agrícola Comum).
M.R.» Como evitar e prevenir comportamentos anti-ambientais como, por vezes surgem, de gado abandonado em ribeiras ou resíduos largados por parte da lavoura açoriana. O que falta ainda fazer?
J.P.» Estes comportamentos são a excepção, não a regra. E, transportam consigo outras preocupações mais amplas que estão directamente ligadas ao foro dos comportamentos sociais menos próprios (infelizmente por vezes verificados) em qualquer sociedade. Tais ocorrências são casos de polícia e, a fiscalização de tais delitos ambientais estão a cargo da Guarda Nacional Republicana, através do seu núcleo de Protecção do Ambiente que tem efectuado uma vigilância apertada. Além disso, como referi anteriormente, estes comportamentos são susceptíveis do produtor ficar impedido de receber quaisquer apoios ou ajudas públicas. Por exemplo, todo o animal bovino existente nos Açores (ou na UE) dispõe, tal como nos veículos, de uma matrícula (um número de registo próprio, e, único). O destino final do animal terá de ser sempre um matadouro (até porque existe uma ajuda financeira, significativa, pela entrada do animal no matadouro – Prémio ao Abate), ou excepcionalmente, noutro local devidamente identificado e oficializado. Se o bovino nunca surgir num matadouro ou noutra instância (para além do agricultor perder um subsídio), ficará sempre activo na exploração, o que irá, ao fim de algum tempo, provocar graves danos económicos ao seu detentor. Caso a “matrícula” (ou seja o animal) desaparecer, a situação acarreta punição severa. Devo sublinhar que as obrigações de índole ambiental são uma das principais condicionantes aos pedidos de apoio e de ajudas por parte dos produtores, ao abrigo da PAC, nos termos dos controlos das “boas práticas agrícolas” e da observação das “regras de condicionalidade”.
M.R.» Que programas, estruturas e apoios existem no capítulo da recolha de resíduos agrícolas?
J.P.» Nos últimos 10 anos foram criados e licenciados nos Açores diversos centros de recolha e de processamento de resíduos. Os resíduos agrícolas não fogem a regra e não são tão especiais quanto isso, sendo semelhantes aos das outras actividades económicas. Por exemplo uma exploração agrícola e/ou pecuária funciona, também, como o lar de uma família, verificando-se uma produção apreciável de resíduos que necessitam de ser geridos e recolhidos diária e convenientemente. São derivados dos chamados factores de produção e que contribuem directamente para a formação das produções agrárias, como por exemplo: o papel e seus derivados, todo o tipo de embalagens, os detritos metálicos, o ferro-velho, os plásticos, os óleos e lubrificantes, e, também restos de medicamentos ou resíduos similares (de veterinária e de fitossanidade), que se incorporam no programa de tratamento de “resíduos hospitalares”, que regularmente são escoados para fora da Região. Para todos estes resíduos existem estruturas públicas capacitadas na Região, próximas de todos, para os receberem e/ou processá-los, neste caso particular quando processados são remetidos fora da Região, bem como a existência de centros geridos por entidades privadas especializadas. Por outro lado, as vistorias anuais às explorações agrícolas, no âmbito do controlo das “boas práticas agrícolas” e das “regras de condicionalidade”, encarregam-se de garantir que o agricultor promova esta boa gestão, caso contrário, as penalizações são aplicadas.
M.R.» No campo da sensibilização ambiental que acções tem surgido, ou estão em vista, junto dos operadores agrícolas?
J.P.» Toda a preocupação nesta matéria assenta, essencialmente no respeito pelo solo, pela água, pela paisagem e pela integridade dos animais, dos produtos agrícolas e agro-alimentares obtidos. Este é o espírito da sensibilização ambiental que efectuamos junto dos agricultores e que se executa através: de envio e publicação regular de documentação informativa, que a exemplo destaco, o “Manual das Boas Práticas Agrícolas” publicado em 2001, os Manuais das Boas Práticas Sanitárias e Fitossanitárias” publicados em 2007, o “Manual das Boas Práticas de Ensilagem” publicado em 2008, entre outros documentos, sendo periodicamente publicada matéria similar em forma de avisos e de divulgação geral; na realização de acções e de cursos de formação os quais contemplam, obrigatoriamente módulos sobre boas práticas agrícolas e ambientais. Devemos constatar que (por exemplo), entre Janeiro de 2007 e Abril de 2011 termos executado 197 cursos de formação profissional agrária nos Açores, que envolveram 3.466 agricultores, para além disso somos a nível nacional a Região onde se verifica a maior taxa de profissionais do sector agrícola habilitados e licenciados de acordo com as normas de utilização e manuseamento seguro de produtos fitofarmacêuticos, no âmbito do Decreto-Lei 173/2005, observando-se as regras de ambiente, de segurança e do bem-estar. Incutindo-se a correcta gestão e utilização dos produtos fitofármacos, no que concerne ao seu modo de aplicação e de manuseamento nas culturas agrícolas. Estas acções e outras prosseguem em todas as ilhas, de acordo com a sua calendarização anual, verificando-se também outras que envolvem as próprias escolas, em visitas aos Serviços de Desenvolvimento Agrário, as quais também contribuem para a educação ambiental dos jovens que desde cedo começam a ser despertados para esses assuntos.
Bom ambiente =
Produto de confiança
M.R.» A qualidade do produto agrícola açoriano depende da qualidade ambiental em que é desenvolvido?
J.P.» Sem existir um bom ambiente não é possível produzir produtos com qualidade e de confiança para os consumidores. A produção agrícola é, de facto, dependente da qualidade do solo e da água e do ordenamento a montante e a jusante. É sabido que sem boa matéria-prima não é possível fazerem-se bons produtos, por isso sem uma boa qualidade ambiental não é possível produzir produtos agrícolas de qualidade. Além disso, o consumidor associa à qualidade do nosso ambiente a qualidade dos nossos produtos, algo que não seria possível se tivéssemos um ambiente degradado e descuidado e/ou se a nossa agricultura fosse identificada como excessivamente intensiva ou grandemente industrializada. Basta reparar no estado de limpeza dos nossos caminhos e no grau de ordenamento do nosso espaço rural, comparativamente a outros locais mesmo em Países mais desenvolvidos, para notarmos a diferença a favor dos Açores.
M.R.» Que implicações tem para o mundo agrícola a recente aprovação do diploma que cria o Parque Natural da ilha Terceira?
J.P.» Reforça fundamentalmente a valorização da nossa agricultura e dos produtos agro-alimentares que produzimos, sendo a prova de que é possível, cada vez mais coexistir um bom ambiente com uma agricultura sustentável e viável do ponto de vista económico. Pelo que tal empreendimento também origina dedicarmos cada vez mais atenção às práticas agrícolas desenvolvidas no dia-a-dia, evitarmos situações agressivas do ponto de vista ambiental, tendo em conta a natureza dos nossos recursos agrários, bem como executarmos práticas que fortaleçam a procura do equilíbrio entre a produção de bens e a preservação do meio ambiente.
M.R.» A gestão ambiental de roedores na região é outro dos mecanismos necessários para uma gestão ambiental integrada. O que já se fez e falta fazer nesta matéria?
J.P.» Se há entidade pública que nunca deixou de praticar um elevado trabalho nesta matéria, nomeadamente na vertente das culturas agrícolas onde nos compete, foi o Desenvolvimento Agrário. O combate contra os roedores tem sido feito e permanentemente apoiado, tendo-se investido diversos recursos nesta área. No entanto, é preciso não esquecer que os roedores são uma responsabilidade de todos, de toda a sociedade e, não de alguém em particular. É também verdade que existe nas nossas ilhas tudo aquilo que os roedores precisam para se desenvolver: um bom clima, água e alimento disponível. Os roedores em geral têm isso tudo disponível, e com fartura. É bem claro que, se os Açores tivessem um clima agreste com pouca produção agrícola e falta de água, haveria muito menos roedores. Devemos também registar que as entidades públicas na Região não podem, de forma alguma, fazer tudo nesta matéria e, que, se os cidadãos e a sociedade em geral não colaborarem neste controlo, através da aplicação de rodenticida nos seus prédios e bens privados, protegendo as principais fontes de alimentação do rato, em gerir bem os lixos e resíduos que produzem, seja no campo ou na cidade, nas empresas de produtos alimentares, nas casas e quintais, nos parques industriais, e contrariando o fácil acesso aos roedores, etc., as medidas serão muito menos eficazes. Quero contudo aqui registar que neste aspecto os Açores, pelo Governo Regional através da Secretaria Regional da Agricultura foi inovador, tendo criado o Decreto Legislativo Regional nº 31/2010/A de 17 de Novembro, que implementa para a Região as medidas integradas de prevenção, controlo e redução da presença de roedores. A presente lei tem como objecto estabelecer normas de prevenção e controlo das espécies de roedores, invasores que comportam risco ecológico, e garantir o uso sustentado dos pesticidas de acção rodenticida, através da definição de um conjunto de procedimentos integrados a aplicar às actividades humanas susceptíveis de contribuir, directa ou indirectamente, para a proliferação das referidas espécies, visando os seguintes objectivos: sustentabilidade ambiental; protecção da saúde pública; protecção da saúde animal; protecção da biodiversidade; protecção das culturas; protecção de equipamentos e infra-estruturas. Isto para além de distribuirmos e de divulgarmos permanentemente documentação informativa sobre o controlo de roedores no meio rural e, de financiarmos a atribuição gratuita de rodenticidas aos agricultores da Região.
Tutelas da Agricultura
e Ambiente coordenadas
M.R.» Que coordenação existe entre a DRDA, da SRAF, e a SRAM no que diz respeito à manutenção de politicas ambientais?
J.P.» A colaboração tem sido plena até porque no caso da DRDA e SRAF a tutela é a mesma. No caso com a SRAM, sempre que necessário são realizadas reuniões conjuntas para casos específicos, e os Serviços do Ambiente colaboram regularmente (e vice-versa, bem como os nossos para com a SRAM), existindo casos formalmente determinados por lei em que são emitidos diversos pareceres, particularmente sobre as matérias relacionadas com o assunto da questão anterior, bem como com assuntos relacionados com as boas práticas agrícolas, o licenciamento das explorações bovinas de maiores dimensões, as construções agrícolas em zonas mais sensíveis, as questões relacionadas com as espécies endémicas, o ordenamento do território, a gestão e processamento de resíduos, etc.
M.R.» As garantias de segurança alimentar ficam potenciadas com práticas ditas “verdes” de exploração por parte dos agricultores? Como é feito esse controlo de fitossanidade e sanidade animal, quer ao nível da carne, leite, produtos hortofrutícolas e outros?
J.P.» A fitossanidade tem sido uma área fundamental, pois havia e, há sempre muito por fazer, nomeadamente a nível do uso racional dos pesticidas e no controlo de pragas. Implementamos o Plano Regional de pesquisa de resíduos de pesticidas nos produtos vegetais, bem como aplicamos o programa nacional similar em cumprimento de normativos comunitários, directamente benéficos para o ambiente. Foi criada lei em 2005 que obrigou ao Licenciamento de todos os estabelecimentos de venda e distribuição de pesticidas. São ministrados cursos de formação profissional aos agricultores que os habilitam com o “cartão de aplicador de pesticidas” tendo em vista a correcta utilização dos pesticidas, sendo os Açores a região do país com maior percentagem de agricultores habilitados nesta matéria.
No que concerne a pragas, a Região dispõem de níveis mínimos que não põem em causa os resultados das colheitas e as questões económicas. Empreendemos, há 2 anos, em experimentação, num trabalho conjunto com a Universidade dos Açores um sistema inovador para o controlo da Mosca-do-Mediterrâneo designado por ADRESS®, sem recurso a pesticidas, efectuando-se o controlo eficaz da referida praga através de sistemas compatíveis com os princípios de uma agricultura ambientalmente sustentável e cada vez mais segura para o consumidor. No caso da Sanidade Animal tem sido uma das áreas onde mais progressos se têm obtido nos últimos anos. Os Açores são reconhecidos, por Decisão em Jornal Oficial da UE, como Oficialmente Indemnes às principais doenças dos animais. Como é exemplo da Brucelose, oficialmente erradicada em 6 ilhas e naquelas em que existe encontra-se a níveis nunca antes alcançados, com uma prevalência inferior a 0,2%.
M.R.» Que vantagens e condicionalismos agro-ecológicos existem para os produtores açorianos actualmente?
J.P.» Existe toda a vantagem para os agricultores a preservação do ambiente e a elevação dos níveis agro-ambientais. A destruição do ambiente acarreta sempre problemas para a agricultura, como seja a irregularidade do ciclo da água, a erosão dos solos e a sua perda de fertilidade, a desvalorização da qualidade dos produtos que resultam nos nossos alimentos, a desvalorização da propriedade rural, a má imagem associada à produção agrícola, etc. Como principais beneficiários dos recursos naturais, os agricultores são, de facto os primeiros interessados em promoverem um bom ambiente e um equilíbrio em termos de ordenamento do território. Pois a degradação ambiental, independentemente de todos os outros aspectos traria consigo prejuízos económicos e quebras de rendimento, não só pela perca de qualidade dos produtos, como também num menor desaproveitamento do espaço rural enquanto local privilegiado para promover e atrair turismo e, potenciar a imagem e a genuinidade da nossa paisagem e dos nossos produtos agro-alimentares.
2011-01-31 00:00:00